A liberdade de escolha do consumidor
Quando o varejo opera no autosserviço, o cliente busca seus produtos sozinho e quer rapidez e acessibilidade nessa operação. Gôndolas abastecidas e arrumadas são alguns dos cuidados que o formato demanda
Conveniência e preço. Dois desejos do consumidor que o varejo se desdobra há anos para atender. Mas nem sempre é fácil. Toda operação tem um custo, seja ele financeiro ou humano. O fato é que encontrar a solução perfeita para atender às necessidades do shopper parece algo inalcançável, mas que varejistas do mundo todo seguem tentando. E numa dessas tentativas nasceu o autosserviço.
O cofundador da Inteligência360º, Olegário Araújo, conta que o autosserviço foi implementado no Brasil nos anos 50 e que naquela oportunidade o formato proporcionou: acessibilidade (a pessoa passou a “pegar” o produto, sem a intermediação de um vendedor), transparência (os preços estavam fixados nos produtos), agilidade (o modelo do autosserviço não dependia de um balconista e, neste sentido, era ágil) e economia (o modelo de autoatendimento reduziu custos importantes e tornou os produtos monetariamente mais acessíveis). “Este movimento ocorreu em um momento econômico importante que foi o pós-guerra e o surgimento do mercado de consumo de massa (produção em grande escala). Foi o momento de urbanização”, diz Araújo.
Ainda de acordo com ele, o autosserviço é um modelo onde o shopper se sente confortável e que vem se adaptando ao longo do tempo. “O autosserviço vem incorporando novas técnicas para atender às necessidades e desejos das pessoas e, consequentemente, vender mais.
Dentre estas técnicas incluímos o layout da loja, a altura das gôndolas, a forma de organizar e expor os produtos, entre outras”, avalia. Araújo destaca ainda as oportunidades de crescimento para o formato. “Quando se olha para os diferentes Brasis que temos, considerando as desigualdades econômicas e sociais, ainda há espaço para o autosserviço crescer. Há regiões carentes nas quais esse formato pode contribuir muito. E as farmácias, por incorporarem o autosserviço em algumas regiões do Brasil, oferecem um sortimento próximo da loja alimentar, suprindo inclusive carências regionais de abastecimento”, diz.
Na prática
O autosserviço tem crescido bastante no Brasil. Uma loja ambientada para autosserviço permite que mais sentidos do consumidor sejam explorados, além da visão. São explorados principalmente o tato, pois o cliente pode tocar nos produtos que desejar, e também em vários casos o olfato, para produtos que possuem cheiro.
Quanto mais sentidos são envolvidos em um processo de compra, melhor, pois aumenta a chance das vendas por impulso. “Para que uma loja de autosserviço funcione bem é preciso ter um bom visual merchandising, já que ao entrar em um ambiente, 83% das nossas percepções vêm da visão.
A melhoria no aspecto visual de uma empresa pode ampliar as vendas de 12% a 40%, muitas vezes, com baixo e até sem investimento”, orienta a consultora do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo (Sebrae-SP), Paola Goulart Rosa.
Atendimento no autosserviço
Em que momento o colaborador pode ou deve abordar o shopper em uma loja de autosserviço?
Para a diretora executiva do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo & Mercado de Consumo (Ibevar), Patricia Cotti, o ideal é que haja uma abordagem assistida simples, como “bom dia, estou aqui se precisar de mim”, deixando o cliente livre para a circulação. “A não abordagem faz com que o consumidor se sinta muitas vezes perdido, do mesmo jeito que a abordagem em demasia faz com que ele se sinta invadido”, afirma.
A abordagem deve acontecer sempre para que o colaborador se coloque à disposição do cliente ou para informar sobre uma promoção, sem ser invasivo ou insistente. “A chance de perder a venda é grande nesse caso”, alerta o head de eficiência operacional da AGR Consultores, Rodrigo Catani, que diz ainda que o pessoal de atendimento deve gostar de se relacionar com pessoas, algo que deve ser identificado no recrutamento. “Também é importante realizar treinamento para que os colaboradores façam abordagens para perguntar ao cliente se ele encontrou tudo o que desejava ou se faltou algo. Se faltou e realmente não havia na loja ou se não é comercializado, passar essa informação para a área comercial. Isso pode ser útil para discussões sobre o sortimento”, orienta.
Para o cofundador da Inteligência360º, Olegário Araújo, o passo mais importante é o gestor da loja ter clareza do papel do estabelecimento na vida das pessoas, ou seja, como ele quer atender às necessidades e desejos de seu público-alvo primário. Conhecer a missão de compra de seu cliente principal deve ser a prioridade.
“Podemos ir em uma loja em busca de solução em momentos diferentes. Com isto em mente, a equipe da loja pode ser orientada para apoiar o cliente e ser eficaz na abordagem. a perspectiva da loja, ser eficaz compreende aumentar a satisfação do cliente com a loja e aumentar o tíquete médio. Neste segundo tópico tem a orientação da compra e o apoio na solução. Há diferentes tipos de clientes e o profissional da loja precisa ser preparado para usar a linguagem certa”, finaliza.
Nas farmácias, o autosserviço está restrito aos produtos de higiene pessoal e aos Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs). “A importância desses produtos tem crescido muito nos últimos anos, com ampliação de sortimento, melhoria na sinalização, criação de áreas exclusivas, demonstração de produtos em loja, entre outros”, diz o head de eficiência operacional da AGR Consultores, Rodrigo Catani.
Ele ainda reforça que o formato também pode ser apresentado no que se chama de “autosserviço assistido”, quando o consumidor pode fazer a compra sem auxílio, mas também existe a presença do vendedor ou atendente – dentro desse modelo se encaixam as farmácias e drogarias. “Apesar do crescimento do formato em todos os segmentos de varejo, ainda é uma questão cultural o consumidor brasileiro gostar de ser atendido.
Claro que há uma variação grande de região para região e entre faixas etárias, então o importante é entender como o consumidor de cada loja e/ou segmento prefere ser atendido”, comenta.
Localidade também conta
Araújo diz que as farmácias estão localizadas em pontos de fluxo ou em bairros, o que gera movimentos diferentes. O que chama a atenção das farmácias é a disponibilidade de lojas. “Há uma grande oferta deste tipo de loja, o que é ótimo para o consumidor, mas isso gera o desafio de ser rentável, pelo alto nível de concorrência. Há movimentos interessantes no segmento farma, como os serviços de atenção farmacêutica e a ampliação de produtos de autosserviço”, afirma.
O especialista ainda destaca que as farmácias transmitem o conceito de bem-estar, de cuidado, e que pelas características do negócio, conciliam o autosserviço com mais atendimento personalizado e conduzem muito bem o fato de lidar com saúde e passar confiança para as pessoas.
Cabe destacar que o autosserviço não é o abandono do consumidor no ponto de venda (PDV), mas sim o seu direcionamento na compra por meio de outras atitudes e serviços que não o humano, sem que ele se sinta perdido.
“Isto pode ser feito por meio de tecnologia, ambientação e layout de loja, comunicação no PDV, planogramas facilitados, dentre outros”,
comenta a diretora executiva do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo & Mercado de Consumo (Ibevar), Patricia Cotti. Segundo ela, um erro comum é criar um modelo de negócios voltado para autosserviço e simplesmente implementá-lo, sem um período de adaptação. “Este choque de expectativas acaba por gerar muito prejuízo em marca. O segundo erro mais comum é a falta de comunicação clara.
Os varejistas são conscientes de seus produtos e benefícios, os consumidores, não. Algumas coisas que para o varejista podem parecer óbvias, para o consumidor não o são. É preciso pensar com a cabeça do shopper, da forma mais clara e simples possível”, orienta.
Organização é fundamental
A organização da loja e das gôndolas e, consequentemente, o abastecimento das mesmas, são pontos cruciais para a operação do autosserviço. Paola alerta para o fato de que muitos são os fatores que ajudam o consumidor na decisão de compra. E a disposição correta dos produtos nas gôndolas e prateleiras é um deles.
“As gôndolas bem organizadas funcionam como um vendedor silencioso que mostra os tipos de produtos que a loja oferece. Gôndolas que não estão abastecidas dão a impressão de que o local está sem sortimento de produtos. Além de reabastecer, é importante sempre estar atento para a organização do espaço”, diz.
Aliás, esse ponto é primordial para as operações de varejo no País. “O grande desafio do autosserviço está na organização da loja em seções que façam sentido do ponto de vista da árvore de decisão do consumidor, no layout da loja, na arrumação das prateleiras e na sinalização clara das etiquetas de preços. Ainda há muito o que evoluir, principalmente em layout e organização de gôndolas. É comum a arrumação ser feita com a lógica do fornecedor, e não do consumidor”, afirma Catani.
Segundo ele, nesse tipo de loja o consumidor só deverá pedir auxílio a um atendente em caso de dúvidas, e não para encontrar produtos, o que pode aumentar as vendas e reduzir a necessidade de pessoal em loja. Ele ainda reforça que a exposição adequada dos preços é extremamente importante, pois como os espaços são reduzidos, há uma dificuldade natural em sinalizá-los. Além disso, é preciso ficar atento à frequência de abastecimento das gôndolas. “Essa é uma questão crítica que está intimamente ligada ao giro do produto e ao espaço destinado à sua exposição.
A ruptura deve ser evitada sempre, principalmente nos casos em que a mercadoria está no estoque da loja. Ao mesmo tempo, ter a necessidade de reposição implica em custos de pessoal, portanto é preciso achar o equilíbrio”, diz.
FONTE: GUIA DA FARMÁCIA